Vestes
Um menino senta ao meu lado e me olha de relance. Talvez meu vestido vermelho com bolinhas brancas tenha lhe despertado interesse.
Eu estava lendo um conto despretensioso de Poe. Se é que é possível falar em despretensão de Poe.
Paro com a leitura para observá-lo. Ele está curioso por algo, mas tímido o suficiente para se manter no lugar.
- É pra escola? - ele finalmente cria coragem para perguntar.
Acho graça, pois já tenho 40 anos.
- Não. É para mim mesmo - respondo acenando com o livro.
O garotinho, no auge dos seus 10 anos, não aceita muito a minha resposta.
- Por que está lendo se não é para a escola?
- Porque eu gosto de ler histórias.
- Pra quê?
Com um toque infeliz de cena mórbida, noto que ele não vê sentido em fazer algo por fazer.
Olho para ele.
- Na verdade eu estou lendo porque eu não sou deste mundo.
- Não?
- Não. Os livros são os meus portais. Quando os abro, volto para a minha terra natal, que fica bem longe daqui.
- Você é um ET?
- Sou - olho para ele sem intimidá-lo. - Você quer experimentar? Pode conhecer a minha casa.
Ele me fita ainda mais desconfiado.
- Eu posso ler pra você um pouco, se quiser - insisto.
Ele concorda. Abro o início do conto e respiro fundo para começar a história. Não dá tempo. Uma voz forte me interrompe. Um adulto o pega forte pelos braços.
- Ei, vamos embora, querido. Estamos atrasados para a escola.
Ele sai com o que penso ser sua mãe. Não nos despedimos. Ao longe ainda posso ouvir um cochicho:
- Já falei que não é pra você falar com estranhos?
Tadeu Francisco
Jan/14
Adorei a situação narrada. Leitura gostosa =]
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